sábado, 11 de abril de 2009

Monopólio

Em uma família de classe média baixa, de rápida ascensão econômica e antes pobre, o pai bronco e a mãe ingênua sempre tiveram dificuldade de responder às perguntas do filho único. O garoto estudava em colégio de freiras, graças à bolsa que uma das caquéticas eclesiásticas havia concedido, e na escola tinha contato com pequenos indivíduos que não correspondiam ao seu padrão de vida.

Aos quatro anos, fugia à regra fazendo amizades com as meninas de sua turma. Insinuavam os demoníacos coleguinhas que fosse homossexual - usando palavras e expressões muito menos cordiais.

Num desses dias de aporrinhação, ao chegar em casa, pediu ao pai que traduzisse tudo o que tinha ouvido e imaginava ser ofensas: agasalhar o croquete, dar ré no quibe e tantas outras coisas que o relacionavam a comidas indigestas certamente não seriam elogios. O pai ficou revoltado, fez questão de desmentir as sugestões, sem querer ou conseguir admitir o que diziam. Para afastar, definitivamente, o pupilo da tenebrosa hipótese, começou a cercá-lo do ambiente futebolístico, convicto de que aquilo o afastaria deste lado negro e do lado negro de outrem.

Na primeira partida para a qual foi levado, o jovem já com seus sete anos, viu alguns bárbaros gritando roxos para uma senhora de amarelo que esticava uma bandeira. Diziam palavrões intercalados pelas palavras impedido e impedimento. O jovem perguntou ao pai do que se tratava. O velho tentou responder, mas se embolou com a regra que é muito mais fácil na prática do que na teoria. Transcorrido algum tempo e mais íntimo do futebol, o garoto aprendeu sozinho.

Para a felicidade do pai e contrariando as previsões daqueles amiguinhos maldosos, aos 11 anos o rapaz já namorava as menininhas da escola. Uma das namoradinhas tinha uma coleguinha mais assanhada. Os amigos mais salientes sugeriram que tentasse um menáge a trois. Na hora concordou fingindo entender, mas de noite foi aos ouvidos do pai, contextualizou a história e pediu uma explicação. O coroa não achava a tentação muito digna, gaguejou, foi reticente e impreciso.

Ao longo dos anos, situações semelhantes foram se reproduzindo. Nunca o senhor conseguia satisfazer os desejos empíricos do menino. O momento pelo qual o pai ansiava tardou, mas não havia de falhar.

Era dia de clássicos pelo Brasil, os campeonatos regionais se aproximavam do fim. O garoto tinha 15 anos e estudava para a prova de recuperação de Geografia. Não pôde ir para o jogo do seu time e o pai não deixou que chegasse perto da TV para sintonizar nos canais da única rede de emissoras detentora dos direitos de transmissão dos campeonatos estaduais. A empresa, dona do conglomerado, escolhia os jogos que ofereceria ao público e nenhuma outra poderia passar nada de diferente naquele horário.

O pai assistia televisão deitado no quarto do casal, contrariado ainda não se sabia o porquê. O garoto invadiu o recinto para fazer uma pergunta sobre a lição, queria que lhe explicasse o que significava monopólio.

Papai saiu da posição horizontal e se sentou. Pensava na resposta antes do questionamento. Tomou a televisão como objeto de estudo e apontou para ela. Antes de começar a explicação desligou o aparelho. Falou pausadamente:

- Botafogo e Vasco no Maracanã. São Paulo e Corinthians no Morumbi. Inter e Grêmio no Beira-Rio - voltou a ligar a TV, esperou a imagem ficar clara, fez suspense e concluiu:

-Barueri e Mirassol no SporTV.

Papai ficou eufórico com sua demonstração. Parece que o filho entendeu o que é monopólio.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito boa crônica!

E melhor ainda a idéia de fazer um blog com tetos em memória do saudoso seu Iderval, que quem conheceu sabe a agradável pessoa que era e profundo adorador do esporte.

Marcarei presença sempre por aqui!

Abraço!

Malu Cabral disse...

Olá!
Administro o Blog do Porto e seu Blog já está sendo indicado lá, OK?
Sorte pra vc!
Bonito ele está.
Saudações Botafoguenses
Malu Cabral