terça-feira, 15 de setembro de 2009

Em breve no papel

O texto a seguir é uma encomenda para um livro de Roberto Porto, a ser lançado pela Editora Leitura. O tema é o Botafogo. Óbvio.
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De minha infância, tenho flashes vagos e imprecisos. Filho de botafoguense, tive o decisivo encaminhamento paterno para torcer pelo clube – influenciado por outra referência fundamental para um garoto: meu melhor amigo de pequeno também torcia para o Botafogo. A soma destes dois fatores explicaria satisfatoriamente minha opção, mas seria simplificar a decisão e até mesmo desprestigiar esta complexa escolha.

O Botafogo é o time do Rio fundado por garotos. Diz uma das poucas sábias sabedorias populares que anjos protegem as crianças. Protegeram, abençoaram e se apegaram. Instalaram-se também. Onde vivem os anjos que se não nas estrelas - estrelas solitárias inexploráveis universos a fora?

Jamais os anjos-da-guarda abandonaram sua acolhedora paixão. Às vezes adormecem, mas esporadicamente ressurgem, deixando no ar a certeza reticente de sua existência, apresentando a seus mortais-guardados o súbito prazer, o clímax da alegria de torcer para uma paixão que escolhe corações, brilhantemente raros e preciosos.

Fui escolhido. Injetado de confiança, com pouquíssimos meses de vida, fiz do Botafogo campeão carioca em 1989, no primeiro torneio que entrou para disputar após meu nascimento. Em 1995, tive a dimensão desta paixão, quando vi meu pai chorando com o título do Campeonato Brasileiro. Em 2002 vivi os momentos mais intensos (e tristes, como não podia deixar de ser).

Assim somos. Sofremos por natureza. O botafoguense há de ser triste. E a tristeza é condição essencial para a felicidade. O mais doloroso e interminável sofrimento é o que nos garante a mais absoluta alegria. Seja no minuto seguinte ou no ano seguinte, como veio em 2003. Hoje, simplesmente aguardo os dias melhores, com a certeza de que virão sem demorar outros 21 anos, mas com a aflição da imprevisibilidade característica.

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Gabriel Barreira por Gabriel Barreira (e não precisei ir à Xuxa para isso:)

Gabriel Góes Barreira (20 anos) é aluno de Comunicação Social da PUC-Rio. Estudou também no Colégio São Vicente de Paulo e, apesar das referências católicas (tanto no texto quando acadêmicas), é, justamente por certo repúdio ao jesuitismo, agnóstico. Botafoguense é, portanto, inevitavelmente contraditório. Como futuro jornalista (provavelmente esportivo), distante dos conhecimentos da própria mente, busca respostas numa ciência mais rebuscada que as óbvias-clássicas, mas lhe escapam (por ignorância) as menos evidentes.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Crônica de um almoço

Já havia almoçado sanduíche um dia antes. Hipocondríaco por herança genética, quis compensar no dia seguinte e me alimentar obedecendo as flutuantes regras do saudável. Talvez, assim, pudesse amenizar a gripe incurável.

Por uma questão de paladar preteri o restaurante "Gourmet", onde o bife lembra imagens do Google Map e, por uma questão de economia, escolhi o "Na Medida". Pedi o mais barato: quiche com salada. Feito o sacrifício, não pediria um refrigerante: mate, por favor. Limão ou Natural? Natural, afinal teria menos corante e seria mais... natural. Natural só diet, amigo. Tudo bem... Diet.

Levei minha bandeja e comecei a comer de pé, encostado numa lixeira redonda. Como a mochila pesou, resolvi sentar. Sozinho. Durante os primeiros minutos devorei considerável parte do conteúdo do prato. Já ligeiramente satisfeito e acusando os primeiros sinais de cansaço, graças a aceleração metabólica, diminuí o ritmo. Passei a comer observando a movimentação de pessoas, sem pressa, o que facilitava o tráfego no percurso digestivo.

Quatro meninas chegam juntas para comer num dos restaurantes ao redor. Têm a mesma dúvida que sempre me assola: o que pedir? Eu poderia morrer de fome - por indecisão - se colocassem três pratos variados à minha frente.

Conversam ainda incertas. Se aproximam de mim, perto da bancada do restaurante, e me olham. Fosse apenas uma, seria atípico. Quatro, era inédito. Mas o que me chamava a atenção, principalmente, eram os olhares despreocupados mesmo que eu os respondesse de forma interrogativa. De mulheres desconhecidas só conhecia olhares de volúpia ou, sobretudo, rejeição, mas os delas quatro não correspondiam a nenhuma destas categorias.

Me certifiquei de que tinha todas as peças de roupa e não babava. Abaixei a cabeça para me observar e tentar desvendar o que viam. Quiche. Salada. Mate Diet. Eu, sozinho, no "Na Medida" e - crucial, - de camisa rosa, quase um pijama, gola em "V".

Elas estavam apenas decidindo seus pratos. E pediriam o mesmo da bichinha 'pink'.